Leia o texto que se segue:
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Meus Senhores:
A decadência dos povos da Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo. Como peninsular, sinto profundamente ter de afirmar, numa assembleia de peninsulares, esta desalentadora evidência. Mas, se não reconhecermos e confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva? O pecador humilha-se diante do seu Deus, num sentido ato de contrição, e só assim é perdoado. Façamos nós também, diante do espírito de verdade, o ato de contrição pelos nossos pecados históricos, porque só assim nos poderemos emendar e regenerar.
Conheço quanto é delicado este assunto, e sei que por isso dobrados deveres se impõem à minha crítica. Para uma assembleia de estrangeiros não passará esta duma tese histórica, curiosa sim para as inteligências, mas fria e indiferente para os sentimentos pessoais de cada um. Num auditório de peninsulares não é porém assim. A história dos últimos três séculos perpetua-se ainda hoje entre nós em opiniões, em crenças, em interesses, em tradições, que a representam na nossa sociedade, e a tornam de algum modo atual. Há em nós todos uma voz íntima que protesta em favor do passado, quando alguém o ataca: a razão pode condená-lo: o coração tenta ainda absolvê-lo. É que nada há no homem mais delicado, mais melindroso, do que as ilusões: e são as nossas ilusões o que a razão critica, discutindo o passado, ofende sobretudo em nós.
Já o disse há dias, inaugurando e explicando o pensamento destas Conferências: não pretendemos impor as nossas opiniões, mas simplesmente expô-las: não pedimos a adesão das pessoas que nos escutam; pedimos só a discussão: essa discussão, longe de nos assustar, é o que mais desejamos, porque ainda que dela resultasse a condenação das nossas ideias, contanto que essa condenação fosse justa e inteligente, ficaríamos contentes, tendo contribuído, posto que indiretamente, para a publicação de algumas verdades. São prova da sinceridade deste desejo aqueles lugares e aquelas mesas, destinadas particularmente aos jornalistas, onde podem tomar nota das nossas palavras, tornando-lhes nós assim franca e fácil a contradição.
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Antero de Quental , «Causas da decadência dos povos peninsulares», conferência proferida no Casino Lisbonense em 1871.